As sagas sugerem que ela se estabeleceu em Newfoundland e, eventualmente, fez oito travessias pelo Mar do Atlântico Norte.
Mais de 1.000 anos atrás, uma mulher chamada Gudrid navegou além das fronteiras estabelecidas pelos mapas, levando consigo o seu marido e uma pequena tripulação, atracando no que os vikings chamavam de Vínland, possivelmente o Canadá de hoje.
Ela viveu em Newfoundland e explorou os arredores por três anos, tendo um filho antes de voltar à Islândia. No final das contas, ela fez oito travessias pelo Mar do Atlântico Norte e viajou mais longe que qualquer outro viking, da América do Norte à Escandinávia e depois a Roma — ou assim afirmam as sagas.
Mas, Gudrid Thorbjarnardóttir, a “Viajante Distante”, realmente existiu? Se for verdade, ela de fato pôs os pés nas Américas 500 anos antes de Cristóvão Colombo?
Respostas definitivas a estas perguntas permanecerão fora do alcance, a menos que evidências físicas ou que documentações mais confiáveis surjam — cenários altamente improváveis.
Ainda assim, disse Nancy Marie Brown, autora de sua biografia “The Far Traveller: Voyages of a Viking Woman (A Viajante Distante: as viagens de uma mulher viking)” de 2007:
A história de Gudrid sugere que as mulheres vikings eram tão corajosas e aventureiras quanto os homens e, que havia muito menos limitações na vida de uma mulher naqueles tempos do que podemos imaginar.
O que as sagas dizem sobre Gudrid
O nome de Gudrid aparece em duas sagas vikings: especificamente, a Saga dos Groenlandeses e a Saga de Eirik, o Vermelho, conhecidas coletivamente como as Sagas de Vínland. Sua história difere ligeiramente entre os dois relatos.
Na Groenlandesa, Gudrid é pobre e acaba naufragando em seu caminho para a Groenlândia. Na de Erik, o Vermelho, ela é rica e sobrevive ao inverno rigoroso da Groenlândia antes de viajar para Vínland. Cada saga é como um gigantesco “telefone sem fio” centenário.
Às vezes é um inverno rigoroso. Às vezes é um naufrágio. Mas, independentemente da saga, certos elementos da história de Gudrid permanecem os mesmos.
Em ambas as crônicas, Gudrid nasceu na Islândia no final do Século X. Quando ela tinha cerca de 15 anos, viajou com o seu pai, Thorbjorn, para a Groenlândia, onde Erik, amigo criador de problemas de Thorbjorn, estabelecia um novo assentamento viking. Enquanto estava lá, Gudrid se casou com o filho mais novo de Erik, Thorstein. (Você deve conhecer o irmão mais velho de Thorstein, Leif Erikson, visto como o primeiro europeu a colocar os pés na América).
Seguindo os passos de Leif, Thorstein também embarcou para este estranho Novo Mundo, talvez com a sua jovem noiva a reboque, como os groenlandeses acreditavam. Em ambas as sagas, Thorstein não consegue chegar a Vínland — literalmente “Terra Do Vinho”, o nome viking das penínsulas perenes que encontraram na América do Norte.
Ele e Gudrid, se ela estava mesmo com ele, conseguiram retornar à Groenlândia pouco antes do início do inverno.
Aquele inverno foi rigoroso e, uma por uma, as pessoas ao redor de Gudrid começaram a morrer. Thorstein estava entre os falecidos, mas seu fantasma — um dos muitos a visitar os vivos em ambas as sagas — perdurou o suficiente para sugerir "que o destino dela [seria] grande". Viúva, ela retornou ao assentamento principal da Groenlândia.
Como uma viúva de 17 anos, Gudrid poderia escolher onde morar e com quem se casaria. Ambas as sagas relatam que ela decidiu se casar com o comerciante islandês Thorfinn Karlsefni, cuja a alcunha significa "a constituição de um homem".
Gudrid navegou ao Novo Mundo com Thorfinn. Lá, eles tiveram um filho, Snorri, e depois de três anos, voltam para casa. Embora uma saga tenha a jovem família fazendo um desvio para a Noruega, ambos os relatos acabam com Gudrid de volta à Islândia em uma fazenda chamada Glaumbaer.
Só na Saga dos Groenlandeses vemos o que acontece com Gudrid
Uma mulher muito mais velha, com cerca de 40 ou 50 anos, embarca em uma peregrinação a Roma, fazendo a jornada quase inteiramente a pé, antes de retornar à sua fazenda para viver os seus dias como uma “freira e reclusa”.
(Os estudiosos não têm certeza de como era ser uma freira viking no início do Século XI, como apontou Brown na biografia de Gudrid).
A Gudrid apresentada em ambas as sagas é digna e sensata. Na Saga de Erik, o Vermelho, ela é a “mais bela das mulheres” e tem uma bela voz para cantar.
Na dos Groenlandeses, ela é descrita como alguém que “sabe bem como se comportar entre estranhos” — uma referência a cena posterior em que ela fala com uma mulher indígena norte-americana.
As Sagas podem ser confiáveis?
Os observadores contemporâneos podem confiar nas sagas? Afinal, esses relatos incluem fantasmas, dragões, bruxas e todos os tipos de eventos claramente fictícios. Entretanto, os historiadores também sabem que as sagas contêm nomes de pessoas reais, incluindo reis e rainhas vikings.
Elas falam de batalhas reais, assentamentos reais e cidades reais. Como escreveu o estudioso Lars Lonnroth, “[As sagas] apresentam algum tipo de verdade”, embora essa verdade deva ser extraída de contos sobre trolls.
Em The Far Traveller, Brown apontou que ao invés de perguntar se as sagas são verdadeiras, é melhor verificar se são plausíveis. Esse método é melhor para testar a veracidade das histórias.
Tanto a dos Groenlandeses quanto a de Erik, o Vermelho, foram transmitidas oralmente por mais de 200 anos, até que finalmente foram escritas em algum momento do Século XIII.
O público familiarizado com as personagens da saga, a exemplo de Gudrid, teria banido os contadores de histórias, se eles tomassem muitas liberdades. Imagine isso como uma forma de verificação de fatos comunitária.
Ou seja, embora parte da história de Gudrid transmitida nas sagas possa ser apócrifa — como o fantasma de seu marido voltando para um bate-papo — Brown e outros estudiosos argumentam que partes da narrativa são baseadas em eventos reais.
A arqueologia pode frequentemente verificar os eventos de uma saga. Tal qual explicou Brown:
Quando os arqueólogos prestam atenção às sagas e vão em busca das coisas onde as sagas dizem que deveriam procurar [...] eles costumam encontrar [o que procuram].
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No caso de Gudrid, os arqueólogos escavaram a casa de Glaumbaer, descrita nas sagas como o seu último lar na Islândia.
A estrutura é diferente de qualquer outra casa de turfa da Era Viking na Islândia, na verdade, é mais parecida com uma construída a centenas de quilômetros de distância em um assentamento viking na América — o mesmo assentamento que Gudrid e seu marido supostamente construíram na ponta de uma península de Newfoundland (Terra Nova, Canadá).
Prova de uma mulher viking na América do Norte
O único assentamento Viking conhecido das Américas, L'Anse aux Meadows está localizado na parte norte de Newfoundland. Um local ventoso, que provavelmente deveria funcionar como uma área de preparação à exploração mais ao sul.
A datação por carbono colocou sua criação em torno de 1000 d.C., mais ou menos 20 anos da época em que Leif Erikson, e mais tarde Gudrid, teriam visitado o Novo Mundo.
Os arqueólogos descobriram três residências de turfa, uma forja e quatro oficinas em L'Anse aux Meadows. Pregos e aparas de madeira espalhados no chão das oficinas indicam que os colonos vikings consertavam barcos por ali há centenas de anos.
E, ao examinar essas mesmas estruturas em 1975, um arqueólogo da equipe de Birgitta Wallace encontrou provas de que pelo menos uma mulher viking viveu em Newfoundland quase mil anos atrás.
Para o olho destreinado, o objeto poderia parecer uma rocha de formato estranho com um buraco. Mas, Wallace reconheceu a pedra como um autêntico verticilo da Era Viking, uma pequena pedra que era fixada na ponta de uma haste usada para fiar.
Fiar, ao que tudo indica, era um dos trabalhos das mulheres do mundo viking. E embora alguns arqueólogos tenham medo de conectar o verticilo de fuso a Gudrid, Wallace, conforme citado em The Far Traveller, disse:
Não tenho nenhum problema em afirmar que Gudrid esteve aqui. Ela era!
Se Gudrid morava no assentamento, ela provavelmente não estava sozinha. Outras mulheres devem ter viajado com ela e Thorfinn para Vínland.
Uma pequena pedra com um buraco disse tudo isso aos pesquisadores, indicando que mulheres e homens viveram e trabalharam juntos em L'Anse aux Meadows há mais de um milênio.
A genealogia explica Gudrid ao longo da história
Hoje, há apenas cinco manuscritos conhecidos da Saga de Erik, o Vermelho e um da Saga dos Groenlandeses.
A versão mais antiga conhecida da Erik, o Vermelho, foi encontrada no Livro de Hauk, escrito entre 1306 e 1308 por Hauk Erlendsson, um conselheiro do rei norueguês, enquanto ele morava em um mosteiro islandês.
Lá, Hauk copiou a saga de Erik da versão de seu avô e acrescentou em uma árvore genealógica, traçando sua própria ascendência até Gudrid e seu filho Snorri — uma linhagem que os estudiosos acreditam ser precisa.
Como explicou Brown:
Os islandeses se interessavam muito por genealogia… Você sabia de quem era parente e controlava a sua genealogia com muito cuidado. E o fato de Hauk traçar sua própria genealogia até Snorri prova que essas pessoas realmente eram reais.
Entretanto, isso é o suficiente? As genealogias, as sagas e uma pedra com um buraco são o bastante para provar que Gudrid viveu, viajou e morreu por volta do ano 1000 d.C.?
Depende para quem você perguntar. Os arqueólogos geralmente dançam em torno da questão.
Diriam que Gudrid “provavelmente” teria mesmo existido, que o verticilo de fuso poderia ter sido dela, que a casa de relva em Glaumbaer corresponde ao local e à hora em que as sagas dizem que Gudrid teria vivido lá.
Alguns, como John Steinberg, o arqueólogo que escavou o gramado em Glaumbaer, concordam que a estrutura se encaixa na história, mas relutam em vê-la como uma prova da existência de Gudrid. Outros, como Brown e Wallace, são mais rápidos em assumir o manto de Gudrid.
Escrevendo para o History Extra, a estudiosa viking Eleanor Rosamund Barraclough a chamou de "a verdadeira heroína das Sagas de Vinland", argumentando que a Saga de Erik, o Vermelho "deveria ser chamada de Saga de Gudrid".
As duas sagas que mencionam Gudrid, sem dúvida, contêm fábulas, meias-verdades e ficções. Afinal, ambas sagas — Erik, o Vermelho e Groenlandeses — contêm inúmeras contradições em relação à vida da Viajante Distante.
Mas, a resposta à pergunta de Brown sobre se a história de Gudrid seria plausível, é um retumbante sim. Ao considerar todas as evidências, é certamente plausível que uma mulher viking chamada Gudrid tenha existido, viajado para o Novo Mundo e tenha sido notável o suficiente para ser imortalizada nas sagas.
[Gudrid] não foi convidada a fazer esta viagem”, disse Brown. “Ela não foi arrastada. Ele escolheu ir. Ela poderia ter facilmente ficado em casa na Groenlândia. Ela quis ir.
Ela queria a aventura — estar entre o primeiro grupo de europeus a navegar para este Novo Mundo. E então, por volta do ano 1000, ela navegou para além das fronteiras dos mapas.
FONTE: Smithsonian Magazine
DURN, Sarah. Did a Viking Woman Named Gudrid Really Travel to North America in 1000 A.D.? Smithsonian Magazine. Washington, 03 de mar. de 2021. Disponível em: <https://www.smithsonianmag.com/history/did-viking-woman-named-gudrid-really-travel-north-america-1000-years-ago-180977126/>. Acesso em: 09 de mar. de 2021. (Livremente traduzido pela Livros Vikings)
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