Uma nova pesquisa sugere que os islandeses da Era Viking se alimentavam e, provavelmente, pescavam baleias-azuis
No outono de 1385, de acordo com um texto islandês do Século XVII, um homem chamado Ólafur foi pescar na costa noroeste da Islândia.
Nos mares frios protegidos pelos labirintos dos fiordes da região, Ólafur supostamente se deparou com um animal que teria feito sua embarcação de madeira ficar minúscula — uma baleia-azul, o maior animal já registrado, conhecido em islandês como steypireyður.
Jón Guðmundsson, ou ‘Jón, o Erudito’, um poeta e estudioso que registrou a história de Ólafur, chamou as baleias-azuis de "as melhores e mais sagradas de todas as baleias".
Para os marinheiros que estivessem em perigo e cercados por outras baleias mais "malignas", Guðmundsson escreveu:
É bom buscar abrigo com a baleia-azul, se ela estiver por perto é só ficar o mais próximo possível dela.
Ele prosseguiu explicando que as baleias-azuis eram animais geralmente calmos, cujo tamanho intimidava sozinho outras criaturas marinhas mais perigosas.
No entanto, as baleias-azuis não eram apenas protetoras míticas dos islandeses de outrora — evidências crescentes sugerem que elas também eram uma fonte importante de alimento.
Quando a enorme baleia surgiu ao lado do barco de Ólafur, o homem cravou sua lança caseira em sua carne. A lança era marcada com o emblema exclusivo de Ólafur, e se tudo desse certo, Ólafur feriria gravemente a baleia para que ela aparecesse morta em alguma praia próxima.
Quem a encontrasse saberia que Ólafur havia dado o golpe fatal pelas marcações na ponta da lança e ele poderia reivindicar a sua recompensa.
Em uma era em que a maioria dos islandeses sobrevivia predominantemente criando ovelhas, uma baleia-azul — que pode medir mais de 30 metros de comprimento e pesar até 150 toneladas — era um verdadeiro tesouro calórico.
Um animal poderia render 60 toneladas de carne — o equivalente a 3.000 cordeiros — e, de acordo com um texto nórdico do Século XIII, supostamente era "melhor para comer e cheira melhor do que qualquer outro peixe".
No entanto, Ólafur não teve tanta sorte. O corpo da baleia nunca apareceu nas praias da Islândia.
Mais tarde, porém, um grupo de viajantes famintos a cerca de 1.500 quilômetros de distância, na Groenlândia, encontrou uma baleia-azul recentemente morta e encalhada.
O grupo era liderado por um chefe islandês, e Guðmundsson relata que, enquanto ele e seus homens esquartejavam o animal, encontraram nele uma ponta de lança de ferro marcada com o emblema de Ólafur. Sabendo que não podiam entregar a Ólafur sua recompensa, os homens comeram a baleia, evitando a fome.
Esta história — uma das muitas histórias semelhantes que a historiadora ambiental Vicki Szabo vem vasculhando ao longo das últimas três décadas — oferece um vislumbre convincente das interações dos islandeses com as baleias-azuis.
Os textos nórdicos podem ser cientificamente precisos, descrevendo comportamentos como a alimentação por armadilha, em que as baleias abrem suas bocas e deixam os peixes se reunirem dentro antes de fecharem as mandíbulas.
Mas, muitas vezes, eles combinam fatos baseados em evidências com "coisas sobrenaturais, trolls e monstros", diz Szabo. Portanto, confiar nesses documentos para pintar uma imagem precisa das relações entre humanos e baleias na Idade Média é desafiador.
Antes dos anos 2000, o registro arqueológico também não ajudava muito. Como os islandeses geralmente processavam as baleias na costa, a maioria dos ossos de baleia se perdia no oceano, então seu uso é provavelmente sub-representado no registro arqueológico.
Os zooarqueólogos não identificavam os ossos de baleia por espécie; eles apenas os categorizavam como "baleia grande" ou "baleia pequena". A preservação escorregadia das baleias levou os especialistas do Século XX a chamá-las de "recurso invisível".
E embora as baleias fossem uma fonte importante de tradições culturais, materiais de construção e proteína em muitas culturas do norte, a maioria das comunidades concentrava sua pesca em espécies menores e mais gerenciáveis.
Os vikings realmente pescavam e consumiam carne de baleia?
Será que os islandeses da Era Viking realmente pescavam baleias-azuis séculos antes da invenção de arpões explosivos e navios a vapor mais rápidos? Se sim, como eles estavam fazendo isso e com qual frequência? E o que essas interações podem revelar sobre as populações de baleias históricas e modernas?
Szabo, da Universidade Western Carolina nos Estados Unidos, está liderando atualmente uma equipe multidisciplinar de arqueólogos, historiadores, folcloristas e geneticistas para tentar responder a essas mesmas perguntas.
Szabo começou a se interessar pela história dos islandeses com as baleias no início dos anos 1990.
No início, ela estava limitada a estudar obras impressas como as sagas islandesas, uma coleção de contos lendários registrados nos Séculos XIII e XIV. As sagas e outros textos — incluindo os escritos por Jón Guðmundsson — são um tesouro de histórias sobre baleias, tal qual disse Szabo:
Essas pessoas falavam sobre baleias o tempo todo [...] Muitas vezes, elas mencionavam especificamente as baleias-azuis.
Através de suas pesquisas iniciais, Szabo descobriu que no Século XIII os islandeses eram tão dependentes das baleias que escreveram leis complicadas para estabelecer como as baleias encalhadas seriam divididas.
O tamanho de uma baleia, como ela morreu e quem era o dono da propriedade onde ela encalhou determinavam quem recebia uma parte da carne.
A divisão também dependia de quem a prendeu na costa; se um islandês visse uma baleia morta flutuando no mar, ele era legalmente obrigado a encontrar uma maneira de amarrá-la à terra.
E os pescadores não apenas marcavam suas lanças com seu emblema exclusivo, mas também registravam esses emblemas no governo, aumentando as chances de que pudessem reivindicar sua parte legal de qualquer baleia que eles espetassem.
Além de consumir carne e gordura de baleia, os nórdicos usavam os ossos como ferramentas, recipientes, peças de jogos, móveis e vigas para telhados e paredes.
No entanto, mesmo com regulamentações governamentais, a pesca às baleias era uma empreitada difícil. As pontas de lança eram caras, fabricadas por ferreiros islandeses usando ferro fundido a partir de depósitos em pântanos.
Um pescador na literatura ficou tão frustrado ao perder cinco lanças em um único dia que desistiu da pesca completamente. E baleias que encalhavam ou apareciam mortas na costa ainda causavam drama.
Pelo menos 5 sagas contam histórias de brigas pelos direitos de baleias-azuis encalhadas
Szabo ficou fascinada por essas histórias e curiosa sobre quais espécies de baleias os islandeses dependiam mais. No entanto, não foi até meados dos anos 2000, quando os cientistas pioneiros em novas técnicas para analisar ossos antigos usando análises de DNA e espectroscopia, que Szabo pôde começar a responder à sua pergunta.
A espectroscopia, que revela a composição química dos ossos através da análise de proteínas de colágeno encontradas em fragmentos de osso é mais barata e rápida do que a análise de DNA.
Ela se mostrou eficaz na identificação de muitas espécies de baleias, incluindo as azuis, mas não pode distinguir entre certas espécies, como as baleias-franca e boreais.
Os cientistas geralmente usam a espectroscopia como uma triagem inicial de espécies, e depois esclarecem quaisquer incertezas com testes de DNA.
Camilla Speller, uma arqueóloga da Universidade da Colúmbia Britânica no Canadá que não está envolvida no projeto da Islândia, diz que essas tecnologias ajudaram a mudar nosso conhecimento das relações passadas entre humanos e baleias, assim como nossa compreensão da diversidade de baleias que os humanos históricos pescavam, enfatizando:
Toda vez que fazemos espectroscopia em um conjunto, eu penso: nossa, eu não esperava que essa espécie aparecesse.
Quando Szabo e colaboradores aplicaram técnicas de DNA e espectroscopia em ossos de baleias na Islândia, o resultado não foi diferente.
A partir de 2017, a geneticista Brenna Frasier, colaboradora de Szabo, analisou o DNA de 124 ossos de baleia de uma dúzia de sítios arqueológicos em toda a Islândia datando de cerca de 900 a 1800 d.C. em seu laboratório na Universidade Saint Mary's em Nova Escócia. Mais da metade dos ossos eram de baleias-azuis. O restante era uma mistura de mais de uma dúzia de outras espécies.
À medida que o clima mudava do período quente medieval, que terminou no Século XIII, para as temperaturas mais frias da pequena era do gelo, a evidência de muitas espécies menores de baleias desapareceu do registro arqueológico. As baleias-azuis, no entanto, ainda dominavam.
Quando Szabo viu os resultados, ela ficou "atordoada". Nenhuma outra cultura é conhecida por ter dependido tão regularmente das baleias-azuis.
Isso ocorre parcialmente porque as baleias-azuis geralmente vivem em mar aberto em vez de perto da costa, mergulham a profundidades de 315 metros e tendem a afundar quando morrem.
Há também o desafio técnico do tamanho imponente das baleias. Frasier esteve envolvida na necropsia de uma baleia-azul que encalhou perto de Halifax, Nova Escócia, em 2021. Ela diz que levou vários dias com maquinário pesado para desmembrar o animal:
Nunca tinha estado na altura da cintura em uma baleia até esse evento.
Devido aos desafios da pesca e “captura” de baleias-azuis, a equipe de pesquisadores de Szabo esperava encontrar mais evidências de baleias menores, como baleias-piloto e baleias-minke, que teriam sido mais fáceis de levar para a costa, esquartejar e, hoje pelo menos, são mais abundantes.
Em estudos arqueológicos e históricos semelhantes nas Ilhas Faroé, a baleia-piloto dominava. Os pescadores holandeses medievais favoreciam as baleias-franca, que se aproximavam da costa e flutuavam quando morriam.
Outras culturas tradicionais de pesca à baleia também tendem a preferir espécies mais lentas ou costeiras que são mais acessíveis e mais fáceis de pescar. Speller também indagou:
Acho surpreendente que um pescador de baleias da Era Viking fosse atrás de uma baleia-azul.
Mas, como a equipe de Szabo continua a mostrar, os islandeses da Era Viking parecem ter feito exatamente isso.
O fato de a análise de DNA agora corroborar a atenção que as baleias-azuis receberam nos textos islandeses é gratificante para Szabo.
Significa que os islandeses estavam se alimentando e provavelmente até pescando baleias já no Século IX — aproximadamente a época em que chegaram pela primeira vez às costas da Islândia.
Autores como Guðmundsson não estavam exagerando: os islandeses provavelmente estavam encontrando baleias-azuis e as explorando mais do que qualquer outra espécie de baleia.
Recentemente, a paisagem ofereceu uma validação adicional de que os islandeses pré-industriais matavam e colhiam regularmente esses leviatãs.
Enquanto estava na Islândia em 2023, Szabo e Frasier foram incentivadas por uma colega a conhecer a arqueóloga islandesa Lísabet Guðmundsdóttir do Instituto de Arqueologia, Islândia.
Em uma sala de conferências da Universidade da Islândia, Guðmundsdóttir — que frequentemente estuda madeira flutuante no registro arqueológico — contou a Frasier e Szabo sobre um novo sítio arqueológico, conhecido como Hafnir, que ela vinha escavando na Península de Skagi, no noroeste da Islândia.
À medida que as ondas erodem a costa, Guðmundsdóttir disse, ossos de baleia antigos se desprendem do sedimento como dentes soltos, oferecendo um novo tesouro de materiais de pesquisa; Guðmundsdóttir havia encontrado ossos de baleia deixados por residentes pelo menos desde o Século XII.
Ao ouvir isso, Frasier e Szabo trocaram olhares animados. Enquanto a maioria dos ossos ainda estava no local, Guðmundsdóttir mostrou-lhes alguns que havia coletado. Neste sentido, Szabo mencionou:
Ficamos simplesmente atônitos com essa caixa cheia de alguns dos maiores ossos que já vimos de um contexto arqueológico.
Mais tarde, Szabo visitou Hafnir pessoalmente. As baías férteis e a grama verde longa de Hafnir dão a aparência de um lugar que seria ideal para o assentamento se o clima não fosse tão frequentemente terrível.
Os fazendeiros locais recentemente disseram a Guðmundsdóttir que os ventos da primavera passada foram tão fortes que pegaram cordeiros e os levaram. Mais tarde naquele verão, Guðmundsdóttir perdeu uma tenda no local da escavação da mesma maneira. "O vento e a chuva podem te deixar louco", ela admite.
Para os pesquisadores, as lutas valem a pena, disse Szabo:
Nunca vi um sítio arqueológico com tantos ossos de baleia caindo.
Até agora, a equipe descobriu dezenas, possivelmente centenas, de ossos de baleia que foram trabalhados ou esculpidos por pessoas locais em muitas fases de povoamento.
Eles também encontraram ossos intactos sem precedentes, como uma vértebra com o diâmetro de um volante, que são tão grandes que Szabo acredita que devem ter vindo de baleias-azuis.
Os pesquisadores estão agora no processo de executar seus testes espectroscópicos iniciais para confirmar que as baleias-azuis são tão comuns aqui quanto provaram ser em outros sítios islandeses.
Mas, eles precisam agir rápido: toda vez que a equipe arqueológica retorna, muito mais história já foi perdida para o mar, tal qual disse Guðmundsdóttir:
É a última chance de obter as informações antes que simplesmente desapareça completamente.
Para o projeto de Szabo, que está previsto para ser concluído no outono de 2024, uma pergunta permanece: como exatamente os islandeses eram capazes de capturar tantas baleias-azuis?
Ævar Petersen, um biólogo islandês independente e consultor do projeto de Szabo, suspeita que as pessoas possam ter pescado os filhotes menores da espécie, que podem ser mais curiosos em relação aos humanos e mais manejáveis depois de mortos.
Ele também acredita que os primeiros colonos não se importariam com que espécie de baleia encontrassem; eles usariam o que estivesse prontamente disponível. Talvez o que estivesse mais disponível fossem as baleias-azuis.
Essa teoria é corroborada por novas evidências de que as baleias-azuis podem ter sido mais abundantes e vivido mais perto da costa entre 900 e 1900 d.C. do que hoje.
Como Petersen documentou recentemente, por exemplo, 32 baleias-azuis ficaram presas em uma enseada cheia de gelo em Ánastaðir, no noroeste da Islândia, durante uma tempestade de neve furiosa em maio de 1882 — um ano excepcionalmente frio na Islândia quando a fome se aproximava.
Não havia estradas, mas as pessoas se reuniram na enseada, viajando pela paisagem gelada a pé ou a cavalo — algumas vindas de tão longe quanto 100 quilômetros — para ajudar a matar e esquartejar as baleias.
A carne de baleia de Ánastaðir possivelmente salvou várias milhares de pessoas da fome. Alguma carne e gordura foram consumidas frescas; algumas foram armazenadas em poços especiais chamados hvalgrafir por até quatro anos.
Encontrar tantas baleias-azuis perto da costa é raro
Um ano após o massacre de 1882 em Ánastaðir, tecnologia melhorada permitiu que os noruegueses começassem a pescar baleias-azuis em escala industrial ao redor da Islândia.
Outras nações logo seguiram, e até meados do Século XX, baleeiros industriais dos Estados Unidos, Japão, Rússia e outros locais haviam provavelmente massacrado 90 por cento da população mundial de baleias-azuis.
Mesmo que a Islândia não permita mais a pesca de baleias-azuis, a pesca comercial ainda é legal lá hoje. A Islândia abateu pelo menos uma baleia-azul em 2018.
No entanto, à medida que a Islândia continua a autorizar a pesca comercial, os cientistas estão alertando que o DNA e a espectroscopia podem revelar os danos duradouros que a pesca às baleias causou às populações de baleias-azuis e de outras.
Vamos dizer que as baleias-azuis ainda estejam lá fora [...] Será que elas estão lá em números suficientes para que possamos começar a capturá-las?
Este artigo foi parcialmente criado por Inteligência Artificial (IA). Para mais notícias sobre achados arqueológicos e história, continue acompanhando a Livros Vikings. Somos um site dedicado a trazer informações históricas e curiosidades sobre a Era Viking. Se você gostou deste artigo, compartilhe-o em suas redes sociais!
FONTE: Hakai Magazine
CHAPMAN, Andrew. How Viking-Age Hunters Took Down the Biggest Animal on Earth. Hakai Magazine. Victoria, 07 de mai. de 2024. Disponível em: <https://hakaimagazine.com/features/how-viking-age-hunters-took-down-the-biggest-animal-on-earth>. Acesso em: 07 de mai. de 2024. (Livremente adaptado pela Livros Vikings)
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