As pedras de amolar são um dos achados mais comuns da Era Viking. O que parece uma simples pedra, na verdade conta a história de extensos sistemas de comércio — e talvez, a razão pela qual os vikings começaram as suas invasões.
No final do Século XIX, a água de uma antiga pedreira em Trøndelag, Noruega, foi esvaziada. Alguns pensavam que poderia conter um grande depósito de prata, mas pedras foram as únicas coisas que encontraram e muitas delas. Hoje, um objeto totalmente banal.
Por que alguém escavaria uma pedreira enorme apenas para “produzir” pedras comuns?
“As pessoas que trabalham com a Era Viking geralmente lidam com itens de luxo, como joias e outros belos artefatos”, disse Irene Baug, arqueóloga e pesquisadora da Universidade de Bergen.
“Esta é uma pedra comum que nem bonita é. Mas, as informações que ela pode nos fornecer são realmente únicas”, afirmou.
Um item do dia a dia para um Viking
As pedras comuns serviam para amolar e são conhecidas como pedras de amolar. Os vikings eram acostumados, como o nome sugere, a usá-las para afiar coisas feitas de metal.
“As pedras de amolar estão entre os itens mais comuns da Era Viking. Há tantas delas”, disse Baug.
As pedras de amolar eram um item absolutamente necessário e os agricultores precisavam delas para suas ferramentas, eram também usadas em casa e nas atividades artesanais das cidades.
As pedras de amolar também eram uma parte importante do equipamento de um guerreiro: os guerreiros vikings precisavam afiar suas espadas, machados, flechas e facas.
Assista ao episódio sobre “Seax e facas vikings” do Viking Cast, disponível também no VikingTube para entender melhor o assunto:
Ao contrário de muitos dos itens que temos da Era Viking — as pedras de amolar eram usadas por todos, guerreiros, artesãos e donas de casa, ricos ou pobres.
“Essas descobertas podem nos dizer muito sobre a produção, o comércio e as redes de contato da Era Viking”, elaborou Baug.
Já na Era Viking, elas eram produzidas em massa e distribuídas por grandes distâncias. Pedras de amolar da Noruega foram encontradas em vários países.
“Os vikings também comercializavam outros itens”, ressaltou Baug. Mas enquanto, por exemplo, as peles de animais não deixaram vestígios, as pedras de amolar ainda estão aqui para contar a história.
O que há em uma pedra?
Baug afirmou que as pedras podem nos dizer muito sobre a sociedade da Era Viking —e até mesmo sobre tempos anteriores.
“Grandes quantidades de pedras de amolar estão armazenadas em museus, mas não foram estudadas até recentemente”, alertou Baug.
E precisamente aí reside grande parte da razão pela qual Baug começou a estudar as pedras em 2014. As pedras de amolar eram um território praticamente inexplorado.
“Durante as escavações, encontramos muitas pedras de amolar na cor púrpura, mas não tínhamos ideia de onde elas vinham”, complementou.
Embora a pedreira de Eidsborg em Telemark fosse bem conhecida — e as pedras de amolar de lá sejam geralmente de cor cinza clara — foi somente quando os geólogos se envolveram que Mostadmarka em Trøndelag foi descoberta.
Quando arqueólogos noruegueses escavaram o famoso navio Gjellestad em 2020, uma pedra de amolar entrou na lista dos 12 achados mais interessantes da escavação.
Como a pedra é cinza claro, os arqueólogos acreditam que possa ser da pedreira de Eidsborg em Telemark.
“Como acreditamos que o navio Gjellestad é dos primórdios da Era Viking, uma pedra de amolar de Eidsborg seria um achado importante não apenas para entender mais sobre a pessoa enterrada lá, mas também para entender as redes de comércio que ele ou ela poderia acessar”, disse o arqueólogo Christian Løchsen Rødsrud ao ScienceNorway.no.
O primeiro item de exportação da Noruega?
Se você pesquisar na internet, muito tem sido escrito sobre essas pedras de amolar. Uma concepção comum é que as pedras de amolar foram o primeiro item de exportação da Noruega.
Baug não tem tanta certeza sobre isso:
As pessoas tiveram contato e provavelmente também fizeram comércio com outros bens antes da Era Viking, mas em uma escala menor [...] e muitas vezes eram itens de luxo que compunham os bens comerciais, e não produtos comuns, como as pedras de amolar.
Entretanto, a pesquisa de Baug também mostra que as pedras de amolar são um item de exportação muito antigo, transportado para fora da Noruega em grandes quantidades por navio.
Esse comércio começou no início do Século VIII, ou seja, um pouco antes das primeiras expedições vikings [...] as pedras de amolar tornaram-se um reflexo do desenvolvimento do comércio e da produção que ocorria entre os Séculos VIII e IX.
Da Noruega à Dinamarca
A produção de pedras de amolar na Noruega começou em Mostadmarka em Trøndelag.
A primeira exportação da qual Baug e seus colegas encontraram evidências, foi desta área para Ribe, na costa oeste da Dinamarca, no início do Século VIII. Ribe é considerada a primeira cidade estabelecida da Escandinávia, que depois tornou-se um importante posto comercial durante a Era Viking.
Cem anos depois, no início do Século IX, a produção de pedras de amolar da Noruega passou também a ser feita em Eidsborg em Telemark, e segundo Baug:
Provavelmente houve várias pedreiras — porém, essas são as duas em que, até onde sabemos, houve produção em larga escala [...] elas foram estabelecidas não apenas porque os agricultores precisavam de pedras de amolar, mas porque queriam vendê-las amplamente.
Um tipo de arenito
Mas o que havia nas pedras de amolar da Noruega que as tornavam tão desejáveis em outros países?
A geologia as tornou desejáveis. Elas são feitas de ardósia e possuem grãos minerais duros que podem atuar como abrasivos ao afiar ferramentas. Em particular, as pedras de amolar de Mostadmarka são relativamente finas, sendo adequadas para moagem fina e podiam ser colocadas na ponta de uma espada ou agulha.
A pedra de Eidsborg é de granulação mais grosseira, mas muito adequada para afiar.
Não há muita pedra adequada na Dinamarca, então tiveram que importar as pedras de amolar. Nossos resultados mostram que, a partir do Século VIII, as pessoas construíram uma rede de contatos que lhes permitiam acessar produtos de qualidade de terras distantes
Os marketplaces expandiram o escopo do comércio
Pedras de amolar podiam ser comercializadas em toda parte, à medida que o comércio se tornava mais organizado.
“Era desafiador e às vezes perigoso transportar mercadorias por mar durante a Era Viking. Ter que exportar mercadorias por grandes distâncias também significava que você estava lidando com pessoas que não conhecia. Se você negociasse com estranhos, poderia ser enganado ou roubado”, alaborou Baug.
Em áreas mais urbanas como Kaupang em Vestfold, o comércio tornou-se mais seguro. Lá havia pessoas com poder e recursos para garantir que o mercado fosse seguro. O comércio foi realizado em uma escala muito maior nessas áreas de mercado estabelecido, onde mais pessoas estavam envolvidas.
“O que é empolgante na Ribe é que as exportações começaram muito antes do que pensávamos. Já no Século VIII, o comércio passou a ser organizado”, completou Baug.
Moldando a sociedade
“Provavelmente havia muitos trabalhadores envolvidos na indústria de pedra de amolar. Alguns cortavam pedras de amolar, outros organizavam o trabalho nas pedreiras, enquanto havia aqueles que se dedicavam à exportação das pedras de amolar às cidades e aos centros de comércio”, disse Baug.
Talvez houvesse mais homens nas pedreiras no inverno, quando havia menos o que fazer na fazenda.
“Os indivíduos que possuíam e controlavam as pedreiras, bem como os produtos que produziam, ganhavam muita riqueza”, colaborou Baug.
E as comunidades ao longo do curso d'água para onde as pedras eram embarcadas podiam ter se beneficiado do comércio da pedra de amolar.
“Esse tipo de comércio exigia um bom porto de exportação, não só para pedras de amolar, mas para outros produtos também”, afirmou Baug.
Não invada onde você negocia
Como parte de seu trabalho em pedras de amolar, Baug e seus colegas também apresentaram uma teoria sobre o porquê da Era Viking começar.
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A pedreira em Trøndelag fica a cerca de 1100 quilômetros do centro comercial de Ribe, na Dinamarca. Uma rede de comércio bastante estável precisaria estar em vigor para que fosse possível transportar grandes quantidades de pedras para tão longe, conforme concluiu Baug:
Nossos estudos mostram que o comércio entre as partes norte e sul da Escandinávia foi muito importante — tão importante que essa rota comercial era protegida.
Os vikings atacavam os seus semelhantes, disse a arqueóloga, mas as medidas postas em prática para proteger o comércio e os seus benefícios significavam que atacar as aldeias ao longo dessa rota era um risco desnecessário. Assim, aqueles que desejavam continuar com este tipo de atividade, tiveram que encontrar novos campos de “caça” fora da Escandinávia. E assim começaram as incursões ultramarinas na Irlanda, Escócia, Inglaterra etc.
FONTE: Science Norway
BERGSTROM, I; KASTE, A. Every Viking owned a stone like this - and they traded massive quantities of them too. Science Norway. Oslo, 23 de set. de 2022. Disponível em: <https://sciencenorway.no/archaeology-history-viking-age/every-viking-owned-a-stone-like-this-and-they-traded-massive-quantities-of-them-too/2079674>. Acesso em: 28 de set. de 2022. (Livremente traduzido e adaptado pela Livros Vikings).
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