Voltaremos às fontes da América francesa, concentrando-se na exploração de jornais e arquivos de Quebec. Para ampliar os nossos horizontes, viajaremos dos confins do norte do Hudson aos sonhos ensolarados da Flórida, enquanto traçamos o fio de uma história compartilhada.
Os homens navegaram no estuário de um grande rio, diz a Saga de Erik, o Vermelho. Esta história mítica, que evoca a presença viking no que hoje chamamos de América, provavelmente foi escrita no Século XIII. Nos arredores dessas terras que eles não conheciam, os aventureiros viam trigo selvagem, riachos cheios de peixes, animais de todos os tipos em meio a uma grande floresta. Esta terra, eles chamam de "Vìnland". Onde exatamente esses viajantes intrépidos colocaram os pés? Que relação mantinham com as populações indígenas, já presentes?
No início da década de 1960, no extremo noroeste da ilha de Newfoundland, em L'Anse aux Meadows para ser mais preciso, foram descobertos os restos de habitações brevemente usadas pelos navegadores islandeses. Desde esta descoberta por um casal de arqueólogos noruegueses, Anne Stine e Helge Ingstad, este sítio nunca deixou de fascinar os pesquisadores. Um estudo recente, publicado na revista Nature, detalha esse ponto de ocupação do território pelos escandinavos. Esses intrépidos navegadores estiveram lá, temporariamente, pelo menos desde 1021 d.C. Portanto, há mais de 1000 anos. Os avanços científicos na datação de peças de madeira permitiram garantir isso. Fato: encontramos, no local, restos de nogueira, uma árvore que não estava presente nos arredores.
É possível que esses marinheiros escandinavos tenham avançado mais, muito além de Terra Nova, no interior? Isso é provável, acreditam os especialistas há décadas, sempre em busca de elementos para garanti-lo além de qualquer dúvida.
Em 1917, o etnógrafo e geógrafo Hans Peder Steensby, da Universidade de Copenhague, fez as pessoas falarem a respeiro. Ele afirma, em um longo estudo que trata das rotas intensas pelo Atlântico feita pelos nórdicos groenlandeses à Vinlândia. Steensby vai ainda muito mais longe. Ele tenta mostrar, por meio de ousadas verificações cruzadas, que a Vìnland de que falam as antigas sagas nórdicas estaria localizada mais ou menos nas proximidades de Montmagny, na atual Quebec. É nesse sentido, em todo caso, que ele interpreta, da melhor maneira possível, as aventuras de Thorfinn Karlsefni, que no início do Século XI partiu com três barcos e cem homens.
Os geógrafos rapidamente se opõem às teses de Steensby. Afinal, o clima ameno descrito nessas sagas não corresponde aos invernos vigorosos do Canadá, conta-lhe, entre outras coisas. Mas o clima, em um milênio, pode ter mudado. Observam-se períodos de aquecimento mais ou menos curtos, em tempos geográficos. A ponto de, em Montmagny, a associação amadora de beisebol não ser chamada de Vikings à toa!
Não há dúvida de que a presença europeia na América deve ser colocada bem antes das expedições das figuras usuais de “descobridores”, seja a de Cristóvão Colombo, a de Giovanni Caboto ou a de Jacques Cartier. Além disso, ao chegar ao rio, deparou-se com um barco de pesca que já estava lá... Há quanto tempo esses lugares são conhecidos dos europeus? O aquecimento global atual pode tornar mais acessíveis certos locais que até agora não eram propícios para escavações arqueológicas. As hipóteses de Steensby, difíceis de provar, vão, no entanto, criar raízes na imaginação.
Hipóteses
Várias hipóteses foram formuladas ao longo do tempo, quanto ao fato de que esses navegadores poderiam ter subido o rio São Lourenço muito além de seu estuário. Le Club Vinland, filme realizado por Benoit Pilon em 2019, protagonizado por Sébastien Ricard, assenta, aliás, segundo a lógica própria de uma ficção, em várias interpretações de uma possível presença viking nas margens do Saint-Laurent. Em nome de um mergulho no mundo da educação antes da Revolução Silenciosa, o filme de Pilon não sublima do zero a ideia de uma presença viking nessas terras do Novo Mundo.
Em julho de 1968, jornais de Quebec informaram que René Lévesque, homônimo do famoso político que é um dos poucos pioneiros da arqueologia em Quebec, pode ter descoberto restos vikings na costa norte. Formado em geografia e teologia, Lévesque foi incentivado em suas pesquisas pelo botânico e etnólogo Jacques Rousseau. Segundo Lévesque, “o estabelecimento encontrado em Brador é obviamente anterior à chegada de Jacques Cartier ao Canadá. A hipótese de um estabelecimento basco-espanhol não está descartada. E Lévesque é rápido em acrescentar que "também poderia ser um assentamento milenar outrora habitado pelos vikings". Certamente, diz ele, o local foi ocupado por aborígenes há 10.000 anos.
Um estudo mais atento deste local excepcional, localizado entre o porto de Belles Amours e a vila de Lourdes-de-Blanc-Sablon, revelou que esses vestígios pertencem à indústria pesqueira dos primórdios do regime francês no Canadá. O local foi, na época, colocado sob a proteção de Augustin Le Gardeur de Courtemanche (1663-1717), comandante na costa do Labrador. No entanto, vários vestígios de ocupações aborígenes anteriores cruzam esses restos.
É o mesmo René Lévesque, habitado por uma paixão cega pelas origens de sua empresa, que então buscará, em todas as direções, os restos mortais de Samuel de Champlain, fundador de Quebec em 1608. Em 1999, depois de ter multiplicado as sondagens ao redor da basílica, ele afirmou ter visto, com certeza, o túmulo. Para o evento, a mídia foi convidada. Uma parede de pedra é perfurada na frente das câmeras. Uma vez que caiu, as testemunhas descobriram, perplexas, que não estavam diante de um enterro, mas da câmara fria do restaurante chinês Wong. Esse interesse de René Lévesque por uma espécie de culto às origens levou-o a considerar a possibilidade de criar um museu interpretativo dos vikings no Novo Mundo nas proximidades de Montmagny, de acordo com as hipóteses defendidas por Hans Peder Steensby.
Em 1995, um historiador amador, à espera de encontrar provas materiais desta presença viking, ofereceu análises de mapas muito antigos e julgou discernir os arredores de Tadoussac e do rio Saguenay como possíveis locais de passagem para estes navegadores europeus, ao mesmo tempo que evocava, no base das sagas, violentos conflitos com os povos aborígenes.
Apetite do Norte
Ainda assim, "os 'Vikings' nunca formarão um povo na América", explica a medievalista Piroska Nagy. Professora da Universidade de Quebec em Montreal, ela ministra, entre outras coisas, um curso dedicado aos vikings. O interesse é forte, observando: “Em nosso mundo sujeito ao aquecimento global, o Norte tem o vento em suas velas. Amamos os nórdicos, todos os nórdicos... Acho que, em um mundo muito individualista, o nosso, as comunidades medievais e o lado democrático das sociedades escandinavas são atraentes. Para os quebequenses, um certo parentesco de ideias com os vikings, de qualquer forma, parece nobre”.
Mas os vikings não povoaram a América. “Para essas pessoas, é sobretudo uma ocupação, um trabalho que as impulsiona: partir em busca de novas riquezas, graças às viagens marítimas exploratórias. Para muitos escandinavos medievais, agricultores ou artesãos, a aventura do mar era um assunto de meio período. Mas o fascínio que temos pelo "mundo Viking" faz-nos vê-los de forma diferente, como se representassem um "mundo escandinavo", a sua diáspora, a sua expansão..., mas como está em Quebec desde 2008, essa sempre foi uma percepção importante entre os alunos. E aqui está uma percepção que merece ser corrigida, acredita a historiadora.
Em Gatineau, no antigo Museu Canadense da Civilização, rebatizado pelos curadores de Museu Canadense de História, os visitantes podem admirar uma pequena estatueta de madeira na entrada da exposição permanente. Foi encontrado em 1978, durante escavações na Ilha de Baffin. O objeto parece quase polido, pois está saturado com óleo de foca. Foi esculpido por volta do ano 1300. O que tem de especial? Representa um ser vestido com roupas da Idade Média europeia... No peito desta estatueta, tem-se até a impressão de discernir uma cruz. No momento desta descoberta arqueológica, notou-se a presença de uma lâmina de metal do mesmo período, o que sugere trocas entre os dois mundos.
FONTE: Le Devoir
NOËL, Jean-François. Une épopée Viking au Québec? Le Devoir. Quebec, 18 de mar. de 2022. Disponível em: <https://www.ledevoir.com/societe/687798/sur-la-piste-des-archives-une-epopee-viking-au-quebec>. Acesso em: 23 de mar. de 2022. (Livremente traduzido pela Livros Vikings)
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